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ENTREVISTA | “A tecnologia se tornou um recurso de exploração da força de trabalho”, aponta a professora Tatiana Reidel

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Durante o XVII Congresso do SindisprevRS, a Secretaria de Imprensa conversou com a professora e pós-doutora do Departamento de Serviço Social da UFRGS, Tatiana Reidel, que foi uma das palestrantes do evento, participando da mesa “Saúde do Trabalhador, Saúde Mental e Teletrabalho”. Confira a seguir a entrevista.

 

Existem, hoje, tecnologias maravilhosas. Por que elas nos adoecem ao invés de proporcionarem melhores condições de vida? 

Tatiana: Temos uma exacerbação do uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TICs) especialmente a partir de 2008, 2009, com a quarta revolução industrial, que é essa revolução tecnológica.

    Contextualizar isso é muito importante, para que a gente não demonize o celular, não demonize o tablet nem o computador. Não é a tecnologia em si que é a vilã. A tecnologia, inclusive, é fruto da classe trabalhadora. E, a priori, ela poderia realmente ser utilizada para que a gente tivesse mais tempo de existência.

    No entanto, ela chega na ascendência dos processos de expropriação e exploração da força de trabalho. Ou seja, acabou sendo mais um recurso. Assim como foi em Taylor e Ford, principalmente com a reestruturação produtiva da década de 1970. Desde então é “aqui e agora” e o trabalhador precisando ser polivalente, flexível, precisando cada vez dar conta de mais coisas em menos tempo.

    A substituição da mão de obra não causou para a classe trabalhadora melhores condições de vida. A dimensão mais primitiva do trabalho é trabalhar para sobreviver. E em 2022, com todo esse aparato tecnológico, estamos vivenciando a fome. Então a massa de desempregados e pessoas que não têm comida na mesa expõem que o uso da tecnologia não tem sido para garantir uma melhor existência. E pior, desmascaram a crueldade da desigualdade social que é gerada pelo modo de produção capitalista no Brasil e no mundo.

 

A serviço de quem realmente estão as Tecnologias da Informação e Comunicação? 

Tatiana: No livro “A nova razão do mundo”, os autores franceses Pierre Dardot e Christian Laval trazem que a nova racionalidade que temos está muito impressa nas relações sociais a partir do projeto neoliberal que a gente vivencia.

    É a relação concorrencial; é cada um de nós se entender como empresário de si mesmo; é a captura da nossa subjetividade, onde nós não somos mais quem somos, somos somente aquilo que produzimos. E muitas vezes não produzimos numa esfera cultural, artística, subjetiva, humana… Mas é aquilo que entregamos como produto do nosso trabalho.

    Esses autores trazem essa discussão assim como o Giovani Alves nos subsidia para pensar a precarização. Há níveis de precarização que, sim, falam da questão salarial, falam das condições e relações de trabalho. Mas eu acho eles muito cirúrgicos quando dizem que a precarização da classe trabalhadora, hoje, é a precarização existencial.

 

Como o trabalhador está pagando o preço pelo avanço tecnológico?

Tatiana: As instituições exigem do trabalhador versatilidade. Por exemplo, eu como professora, de uma hora para outra, precisei aprender a dar aulas online. E quase exigem que o professor se transforme em um YouTuber. Que use uma linguagem que não é a mesma da sala de aula; que coloque o conteúdo em quinze minutos; que use imagens interativas. Eu posso até adquirir novas habilidades, mas preciso de um tempo pra isso, não é? Só que esse tempo não existe para a classe trabalhadora.

    Então, nós somos “obrigados” (entre aspas) a dar conta dessa versatilidade. Desse papel multifacetado que nos é cobrado permanentemente, ao passo que nós também pagamos a conta da formação e qualificação das habilidades. Nesse caso, nós professores tivemos que comprar programas para o computador, quando não tivemos que trocar nosso próprio computador, que para casa tinha uma finalidade, mas agora é preciso microfone, teclado, tem que ter uma luz, tem que ter um suporte para o celular… Tudo isso são aquisições que seriam os meios disponíveis no teu espaço de trabalho.

    Então, veja, a tua força de trabalho, ela não tem nenhum adicional, continua sendo paga da mesma forma, no entanto, o custo para desenvolver teu trabalho duplica, triplica, quadruplica. A luz, o ar condicionado, são as condições concretas e isso não volta pra classe trabalhadora. 

    Então, voltando, não é demonização da tecnologia e nós não podemos negar a tecnologia, nós temos que usufruir o que a tecnologia pode nos dar de melhor para que a gente socialize, democratize as informações, para que a gente chegue nos usuários. Porém nós estamos no Brasil e como muitas outras realidades de outros países, existe uma grande massa da população que não acessa a tecnologia.

 

Como ficam as políticas públicas neste cenário?

Tatiana: Infelizmente, nas políticas sociais públicas, não tem sido levado em conta a falta de condições concretas. Se o trabalhador das próprias políticas sociais não têm condições de adquirir os meios de trabalho para chegar naqueles que dependem do serviço com qualidade, quiçá a pessoa que não está conseguindo comprar comida vai ter como pegar seu celular e ter internet para baixar um  aplicativo.

    Então, quem são os usuários das políticas sociais? Quais são de fato as condições concretas para que esses usuários consigam ser atendidos mediados pelas TICs? Eles têm telefone, eles têm alfabetização para conseguir decodificar a informação?

    As pessoas, para ganharem um benefício que é menos de um salário mínimo, têm procurado um advogado para terem orientação. Muitos usuários das políticas sociais não têm condições, acesso e habilidade de manuseio para ser mediado entre a demanda social que elas possuem e a possibilidade do atendimento.

 

Nesses casos, faz falta o atendimento humano?

Tatiana: Isso, falta um servidor, um serviço ou até a internet. Às vezes, faltam questões básicas como alfabetização. Se a pessoa não consegue ler, ela não vai conseguir decodificar a mensagem. Algo que na expressão oral, em um atendimento, ela teria condições.

    A gente não pode, como por exemplo foi feito no INSS, cortar a possibilidade de um usuário entrar na na agência, definir “agora é só pelo 135” e acreditar que todas essas pessoas serão atendidas. É preciso garantir o olho no olho. A tecnologia pode contribuir, pode ser utilizada como uma ferramenta, mas não a única ferramenta. Ele não pode eximir ou excluir, sendo que algumas pessoas não vão ter condições de acessar.

    Então, eu acredito nisso: a tecnologia veio para nos ajudar e deveria melhorar nossa existência. Mas da forma como está sendo utilizada, acaba apartando ainda mais a sociedade que deveria ter acesso ao seu direito. E acaba adoecendo a classe trabalhadora, que tem se tornado escrava digital e, ao contrário de melhorar sua existência, tem existido para trabalhar.

 

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