Helder Santos Amorim
A terceirização sem limite proposta pelo PL 4.330/2004
Tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei n. 4.330/2004, que dispõe sobre a contratação de serviços terceirizados e as relações de trabalho dela decorrentes, numa tentativa de normatização do fenômeno da terceirização. Na década de 1980 a terceirização
de serviços se expandiu largamente no cenário empresarial brasileiro, sob a justificativa da necessidade de reformulação do modelo de organização produtiva com vistas ao enxugamento dos custos de produção, para permitir a participação da empresa nacional no mercado concorrencial cada vez mais globalizado. Desde então, a jurisprudência dos tribunais trabalhistas se viram diante do desafio de apreender e mediar as repercussões dessa nova realidade sobre os direitos dos trabalhadores.
Inicialmente, o Tribunal Superior do Trabalho (TST), fundado na clássica doutrina de proteção do Direito do Trabalho, enquadrou como comercialização ou intermediação de mão de obra – a ilícita figura da marchandage – qualquer tentativa de contratação de serviço por empresa interposta, à exceção do regime de trabalho temporário (Lei n. 6.019/1974) e da contratação de serviço de vigilância patrimonial (Lei n. 7.102/1983), restringindo duramente a prática da terceirização por meio do seu Enunciado de Jurisprudência n. 256 de 30/09/1986, que dispunha:
Salvo nos casos de trabalho temporário e de serviço de vigilância, previstos nas Leis 6.019, de 03.01.74 e 7.102, de 20.06.83, é ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta, formando-se o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. Todavia, a restrição jurisprudencial não foi suficiente para inibir a prática da terceirização, que continuou se disseminando largamente em todos os setores da atividade empresarial, na década de 1990, sob o influxo da doutrina política neoliberal hegemônica nos países de econômica central.
Assim, o fato econômico se impôs ao Direito, e em dezembro de 1993 o TST reformou sua posição e passou a admitir a possibilidade de terceirização dos “serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador”, cancelando o Enunciado n. 256 e editando a Súmula de Jurisprudência n. 331 de 21.12.1993, uma espécie de solução compromissória entre as exigências do mercado e os ditames de proteção constitucional do trabalho, vazada nos seguintes termos:
Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei n. 7.102, de 20.06.1983), de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.
O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica na responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que tenha participado da relação processual e conste também do título executivo judicial [grifo nosso].
A terceirização em atividade-fim da empresa continuou sendo vedada, sob a presunção absoluta de tratar-se de intermediação ilícita de mão de obra. Desde então, a Súmula n. 331 do TST tem sido o marco da disciplina jurídica do fenômeno da terceirização na iniciativa privada, permitindo sua prática na atividade-meio das empresas, com fundamento científico na “teoria do foco”, da Ciência da Administração.
Segundo essa teoria administrativa, a empresa enxuta do mercado contemporâneo deve concentrar seus esforços e recursos no que constitui a especialidade do seu processo produtivo, transferindo (contratando) a terceiras empresas todas as demais atividades que lhe sejam instrumentais e periféricas, a fim de obter a máxima especialização produtiva, capaz de lhe assegurar melhor qualidade do produto e menor custo de produção.
Porém, nessas duas últimas décadas, mesmo com toda a atuação fiscalizatória do Ministério Público do Trabalho e dos órgãos da Inspeção do Trabalho, a terceirização se espraiou ilegal e indiscriminadamente em atividades finalísticas das empresas.
Segundo o pesquisador, diversamente do que a teoria sugere, a terceirização desenvolvida pelas empresas no Brasil não visou, inicialmente, à qualificação do produto, mas, essencialmente, a assegurar a própria sobrevivência empresarial, num contexto de quase estagnação econômica na década de 1980 e de ampla competição internacional desregulada.
Avalia o pesquisador que, em face desses fatores, a verdadeira reestruturação produtiva no Brasil acabou se concentrando em alguns segmentos dinâmicos, tradicionalmente internacionalizados, enquanto grande parte do segmento produtivo, marginalizada das condições adequadas de financiamento e acesso tecnológico, recorreu à terceirização como mais uma estratégia empresarial defensiva, uma espécie de tábua de salvação, ao largo dos seus fundamentos teóricos.
Nesse cenário de acirrada e desigual concorrência interna e externa, grande parte dos empresários optou pela terceirização como forma de reduzir custos de contratação de mão de obra, destacadamente no setor de serviços, razão pela qual a terceirização acabou produzindo efeitos nefastos sobre o sistema constitucional de proteção social do trabalhador.
Situação atual : Pronta para Pauta no PLENÁRIO (PLEN)
Mesa Diretora da Câmara dos Deputados ( MESA )
Secretaria de Assuntos Jurídicos/ SINDISPREV/RS