Por Flavia Alli*
O debate Combate ao Narcotráfico ou Criminalização da Pobreza? refletiu sob diferentes eixos um problema que transcende as favelas do Rio de Janeiro, na noite da última quinta-feira, 16/12, no Sindicato dos Previdenciários (Sindisprev-rs), em Porto Alegre. O evento reuniu cerca de 200 pessoas e fez uma avaliação crítica sobre os recentes acontecimentos na cidade do Rio de Janeiro. Os problemas enfrentados pelas comunidades do Complexo do Alemão e Vila Cruzeiro são anteriores à invasão do Estado pelas forças armadas, tampouco, exclusivos daquela localidade. As ações repressivas da polícia – desde a última semana de novembro, o descaso do poder público e a espetacularização da mídia contribuem para a criminalização da pobreza.
Através do pretexto do combate ao tráfico de drogas, o Estado entra nas favelas brutalmente, em uma luta que brasileiros matam brasileiros. A diretora da Associação de Moradores da Vila Operária de Duque de Caxias do Rio de Janeiro, a Leninha, relata que esta situação ocorre há décadas em todas as favelas da cidade e para além das fronteiras da capital fluminense. “Que estado é esse que queremos redefinir? E a redefiniçao deste estado, pois o que aconteceu no Rio de Janeiro é uma política nacional, que acontece em todas as comunidades no país”, discute a diretora. O Estado, o qual entra somente com a “segurança”, não garante os mínimos direitos que as comunidades tem como educação de qualidade, saúde, transporte e moradia. Esta lacuna a ser preenchida é tática para promover a desinformação e a desarticulação social. “É preciso que os moradores tenham condições para trabalhar, educação digna que ensine dentro da realidade deles. Mas, se o Estado der educação, sabe que terá o dobro de gente para fazer o debate”, contesta Leninha.
Esta desinformação, produto dos meios de comunicação – o qual é braço principal do sistema de governo -, oprime estas comunidades, a fim de manter uma estagnação política das mesmas. Segundo a jornalista e editora do site Caros Amigos Débora Prado, os consensos apresentados pela mídia, quando 82% dos entrevistados pelo Instituto Brasileiro de Opinião e Estatística (IBOPE) aprovam a ação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (BOPE) nas favelas, são forjados devido à desinformação que a mesma fabrica. “O Rio, cidade-empresa, precisa esconder tudo o que não é bonito. Como fazer? Criminalizando e oprimindo. Primeiro a mídia bombardeia e diz que o BOPE é o herói. Depois, sem a denúncia do outro lado, cria um sentimento de ufanismo”, descreve Débora. Nos anos de chumbo, os militares propagavam “Brasil, ame-o ou deixe-o”; hoje, este cenário também resulta em um maniqueísmo, onde o favelado é obrigado a concordar com a força repressiva que se instala na comunidade. Para Débora, o grande desafio é desconstruir este falso consenso produzido pela mídia, e apontar os direitos essenciais que a população não possui. A favela, quando vista apenas sob o viés do tráfico de drogas, acelera o processo de criminalização da pobreza, onde os consumidores de informação estão a favor das ações policiais, porém não sabem o porquê, são pouco informados e não debatem de forma consciente as implicações sociais desencadeadas por tal viés.
O morador da Favela da Rocinha e funkeiro MC Leonardo, da Associação dos profissionais e Amigos do Funk (Apafunk), alerta para os efeitos desta repressão do asfalto sobre as periferias. “É mentira quando as emissoras falam que a favela tomou um lado, que não está do lado do traficante. Nenhum morador gosta de ter uma quadrilha na porta de sua casa. Queremos as polícias nas favelas como estão no Leblon, e não no Haiti, que enxergue o filho do pobre e como o do rico. A copa vai acabar e vai resultar uma revolta imensa”, rebate o MC. Conforme a visão do funkeiro, a guerra contra as drogas é uma guerra fracassada: “Matar não adianta nem prender. O estado tem que entrar com todas as secretarias como entra com a segurança”.
O combate ao tráfico, sustentado pelas empreiteiras na reurbanização da “cidade maravilhosa” para a Copa e as Olimpíadas é uma luta histórica contra o pobre, o favelado, o negro. A opressão às comunidades periféricas se detém na especulação imobiliária e exclusão de toda uma cultura, a qual não faz parte dos padrões europeus da alta sociedade, disfarçada no combate ao narcotráfico. O papel do debate trouxe a desconstrução das políticas públicas para/com as periferias, e a denuncia do discurso da mídia na legitimação da criminalização da pobreza e das drogas.
Nota: O Delegado de Polícia do Rio de Janeiro Orlando Zaccone, convidado para o debate, não pode comparecer, pois estava no auxílio de quatro funkeiros foram presos no último dia 15. Os músicos foram enquadrados por cantar letras que retratam a atual situação do Comando Vermelho após a ocupação no Complexo do Alemão, sendo criminalizados por apologia ao crime.