STF autoriza a privatização de serviços públicos
18 de fevereiro de 2016
Texto escrito por Luís Fernando Silva – OAB/SC 9582
Em 17 de dezembro de 2015 o Supremo Tribunal Federal publicou o Acórdãorelativo à Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº 1.923, decidindo que os chamados serviços essenciais (saúde, educação, etc), também podem ser prestados de forma indireta, através das chamadas “organizações sociais”, figura jurídica aprovada durante a chamada “Reforma Administrativa”, ainda no Governo Fernando Henrique Cardoso.
A decisão, adotada por 7 votos a 2, havia sido tomada em abril de 2015, mas a publicação do respectivo Acórdão somente veio a ocorrer em 17 de dezembro passado. Como não foram apresentados recursos contra o Acórdão em questão, a decisão alcançou seu trânsito em julgado em 4 de fevereiro.
O STF apenas ressalva que, em casos tais, haverão de ser observados os princípios constitucionais da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, devendo os convênios desta ordem serem submetidos ao controle de parte do Ministério Público e do Tribunal de Contas da União.
A decisão em questão é de suma importância, na medida em que expressa o entendimento de que a entrega de serviços públicos à instituições privadas (como são as “organizações sociais”), estaria amparada pela Constituição Federal, o que abre sério e profundo precedente que deve conduzir à aceleração de experiências de privatização dos serviços públicos, que já existem em diversos Estados da Federação, mas cuja constitucionalidade ainda se encontrava em dúvida, haja vista a tramitação da Ação Direta de Inconstitucionalidade referida acima.
Com isso, sempre que for do interesse do administrador público (Presidente da República, Governador do Estado, Prefeitos, etc.), bastará que estes encontrem uma “organização social” para administrar aquele serviço, prestando-o à população segundo os seus pontos de vista e conforme os seus específicos interesses, o que importa numa abissal diferença em relação aos serviços prestados diretamente por órgãos e entidades da administração pública.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade em questão havia sido ajuizada em dezembro de 1998, pelo PT e pelo PDT, e buscava o reconhecimento da inconstitucionalidade da Lei nº 9.637 editada em 1998, e que viera dispor sobre a qualificação de entidades privadas como “organizações sociais”, no interior do que o governo neoliberal de Fernando Henrique Cardoso convencionou chamar de “Programa Nacional de Publicização”, voltado à extinção de órgãos e entidades públicas e sobre a absorção de suas atividades por “organizações sociais”, atendendo aos interesses de redução do aparelho de Estado e abertura de setores estratégicos à iniciativa privada.
O Plenário do STF, por maioria, seguiu o voto proferido pelo Ministro Luiz Fux, que foi o primeiro a divergir do voto originalmente dado pelo relator da Ação Direta, ministro Ayres Britto, agora aposentado, que em seu voto inicial havia reconhecido a inconstitucionalidade na norma legal em questão. O Ministro Luiz Fux, assim, adotou o entendimento de que a Constituição permitiria outras formas de organização da atividade estatal que não apenas a prestação de serviços essenciais por parte de órgãos ou entidades integrantes da administração pública; como afirmou a Ministra Carmén Lúcia, para quem “Cada vez mais o que se tem é exatamente a busca de uma melhor prestação do serviço, (…) com ganho para o usuário do serviço público, num novo modelo de gestão que, na dinâmica dada pela interpretação da Constituição, permite-se, sem comprometimento da titularidade dos serviços pelo Estado”, concluindo, ainda, que as chamadas “organizações sociais” não podem ser consideradas “inteiramente privadas”, já que deverão “prestar contas” aos órgãos de controle, razão pela qual não seriam elas dotadas da mesma liberdade típica das entidades privadas clássicas.
Para o ministro Marco Aurélio, entretanto, a medida consistiria em uma “privatização indevida”. Para ele, “o Estado não pode simplesmente se eximir da execução direta de atividades relacionadas à saúde, educação, pesquisa, cultura, proteção e defesa do meio ambiente por meio da celebração de ‘parcerias’ com o setor privado”.
Alguns itens do Acórdão dão bem a dimensão do que foi decidido, como se pode ver abaixo:
“6. A finalidade de fomento, in casu, é posta em prática pela cessão de recursos, bens e pessoal da Administração Pública para as entidades privadas, após a celebração de contrato de gestão, o que viabilizará o direcionamento, pelo Poder Público, da atuação do particular em consonância com o interesse público, através da inserção de metas e de resultados a serem alcançados, sem que isso configure qualquer forma de renúncia aos deveres constitucionais de atuação.
7. Na essência, preside a execução deste programa de ação institucional a lógica que prevaleceu no jogo democrático, de que a atuação privada pode ser mais eficiente do que a pública em determinados domínios, dada a agilidade e a flexibilidade que marcam o regime de direito privado.” (os destaques são nossos)
Mais á frente, em seu item 10, o Acórdão afirma que “A atribuição de título jurídico de legitimação da entidade através da qualificação configura hipótese de credenciamento, no qual não incide a licitação pela própria natureza jurídica do ato, que não é contrato, e pela inexistência de qualquer competição, já que todos os interessados podem alcançar o mesmo objetivo, de modo includente, e não excludente”, o que significa dizer que o Poder Público poderá decidir a quem entregar serviços públicos (inclusive essenciais) apenas a partir da mera consulta ao rol de instituições que hajam alcançado a qualificação de “organizações sociais”, pois nesta hipótese, no entendimento do STF, o interesse de tais entidades haveria de ser visto como comum ao próprio interesse da administração pública.
Não haverá licitação, portanto!
Diante de tal decisão do STF, pode-se dizer que até mesmo o esforço empreendido pelo Governo Dilma para a aprovação da chamada Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh), pode agora ser visto como desnecessário, na medida em que os serviços hospitalares poderão ser entregues diretamente à “organizações sociais”, sem a necessidade de uma entidade “intermediária”.
Cabe aos trabalhadores e às entidades organizadas da sociedade civil, portanto, a adoção de meios de luta capazes de enfrentar esta nova visão jurídica e defender os serviços públicos da privatização.
Do contrário, sobrará apenas lamentar a decisão do STF e esperar para ver o que restará dos serviços públicos em poucos anos.
Fonte: SLPG Advogados Associados